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Quando há benção na música

Há duas situações musicais nas quais eu creio que a benção está presente. Uma delas acontece quando um sacerdote ou organista, ele próprio uma pessoa, treinada e de gosto refinado, de forma humilde e carinhosa, sacrifica seus próprios anseios — todos esteticamente corretos — e entrega ao povo uma porção mais humilde e simples, crendo que, assim, conseguirá levá-los para mais perto de Deus. A outra situação ocorre quando outra pessoa, totalmente ignorante em termos musicais e artísticos, ouve humilde e pacientemente uma obra que é incapaz de apreciar por inteiro, crendo que, de alguma forma, ela glorifica a Deus. Caso não edificar aquele ouvinte inculto, ele assume que a falha deve estar nele, e não no executante. Nem o erudito nem o ignorante devem se desviar desse caminho. A música terá sido um canal da graça para ambos; não a música que os agradou, mas aquela que os desagradou. Ambos sacrificaram e ofereceram seus gostos no mais profundo dos sentidos.
Mas no lado oposto dessas situações, quando o músico se enche de orgulho de suas habilidades ou é contaminado pelo vírus da emulação e olha com desdém para a congregação que não apreciou seu desempenho, ou ainda quando o inculto se fecha em sua ignorância e conservadorismo, olhando, com a hostilidade típica do complexo de inferioridade, para todos aqueles que desejam melhorar seu gosto — aí, então, podemos estar certos de que tudo o que ambos ofereceram não é abençoado, e que o espírito que os motiva não é o Espírito Santo.

C. S. Lewis

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