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Lewis e a Depravação Total

Este texto é uma pequena resenha do terceiro capítulo do livro "O Problema do Sofrimento", de C. S. Lewis, chamado: "A Bondade Divina".

Às vezes discordamos de uma doutrina porque não a entendemos bem. Eu entendo que a crítica de Lewis quanto a doutrina da Depravação Total tem a ver com uma confusão muito comum até mesmo entre estudantes da Teologia Reformada. Na verdade, a doutrina da Depravação Total do ser humano tem a ver com sua extensão, e não com seu grau. Em outras palavras, o homem é totalmente depravado no sentido de que cada aspecto de seu corpo e alma foi corrompido pelo pecado. Mas ainda assim, podemos discernir (em suas devidas proporções, de acordo com a medida de graça de cada um e quão exercitada na piedade a pessoa seja) entre o bem e o mal. Todos os homens possuem (ou podem ter possuído em algum momento de sua vida) uma consciência que ora lhe acusa, ora lhe defende (Romanos 2:15). Em determinado grau eles ainda guardam a semelhança de Deus recebida no Éden, ainda que não totalmente. Considero a construção do raciocínio de Lewis correta, abrindo somente um parênteses de que seu pressuposto quanto à doutrina da Depravação Total parte de uma visão estereotipada da doutrina, como expliquei anteriormente. É bem verdade que o termo cunhado pelos reformadores dá mesmo a entender exatamente o que Lewis entendeu caso não haja alguém que a explique. Portanto, perdoemos Lewis por esse leve delito e prossigamos com esta pequena resenha.

A partir daí, a dissertação de Lewis sobre o amor em contraste com filosofias que tentam explicar o que é o amor, é irrepreensível a meu ver. Ouvi certa vez de um pregador, talvez Paul Washer, que Deus é Amor, e portanto não somos nós que definimos o amor, e sim Ele. Esta assertiva bem poderia ser a suma do capítulo. Um amor que não se preocupa com o caráter do seu amado não é amor. Até mesmo entre os cristãos muitas vezes há uma distorção sobre o amor. Max Lucado quebra uma destas distorções na chamada de seu livro "Simplesmente como Jesus". Para Max Lucado, é justamente por Deus te amar que ele se recusará a deixá-lo como você é. "Ele nos predestinou a ser conforme a imagem do filho do seu amor", conforme diz o apóstolo Paulo. Em outras palavras, o plano de Deus é lhe transformar porque Ele te ama. Isto é o que o homem carnal não entende, e isto é o que Lewis tenta tratar e despertar as verdadeiras perguntas que devem ser feitas, como: "meu entendimento de amor carece de correções?" e "Eu sou o centro? Deus existe para o meu bem? Ou sou eu quem fui criado para satisfazer a vontade daquele que me criou?". Somente quando se deixa de duvidar da bondade Deus, que é sobre o que fala este capítulo do livro, é que é possível praticar a verdadeira teologia.

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